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Retrato Mozart Oliveira

Entrevista por Leandro Ferreira.



Mozart Oliveira . Registro: Blog Valéria e Você


Natural de Gravatá, agreste pernambucano, Mozart Oliveira é uma das revelações da música brasileira. Cantor, compositor, poeta, documentarista, entre outros atributos que não caberiam aqui, mas que explicam um pouco a magnitude de tudo que este artista produz. A Spia conversou com o artista acerca da sua trajetória, vivência e influências musicais. Veja na entrevista a seguir:


Leandro Ferreira (LF): Mozart, você transitou por diversas linguagens artísticas. Você esteve associado ao GAMR, e realizou produções audiovisuais a partir desse espaço. E, além disso, você também se associou a outros atos como em plano musical, performático, poético, como o Tríplice Mistério. Como você se desdobra por esses espaços?


Mozart Oliveira (MO): É algo que eu só me debruço quando eu preciso escrever algum release para algum projeto. Sempre fiz o que era possível no momento em que eu estava ali me exercitando enquanto artista. A parte do Triplice Mistério, por exemplo, foi muito de chegar em Caruaru e encontrar um movimento que a gente criou na época, que era o Malin, em que a gente declamava poesias ali na Estação Ferroviária. Ali eu me enturmei, e ali a gente se criou. No GAMR, o Grupo de Apoio aos Meninos de Rua de Gravatá, foi quando eu vim de Recife, esse era o único lugar que educava através de arte e cultura. Depois de um tempo, chegaram equipamentos de fotografia e de cinema. Quando eu vi, já estava fazendo cineclubismo. As oportunidades aparecendo, fui me guiando através delas.


LF: Em relação a esse trajeto, quais foram suas primeiras influências musicais? Você acha que elas se fazem presentes durante a construção desse EP?


MO: As minhas referências musicais são aleatórias. Assim como minha prática artística também acaba sendo. Eu comecei a ler sobre música erudita através do meu nome. Também lembro muito na infância de ter gostado muito de O Grande Encontro, porque tinha aquelas vozes nordestinas cantando. A partir daquilo eu comecei a criar um imaginário do que poderia ser o cantor, depois, sobre o que é o intérprete. Depois de um tempo, me enlouqueci por Maria Callas. Ao mesmo tempo, eu estava ouvindo Secos e Molhados, descobri Maria Bethânia.... E para além disso, rock and roll. Na minha adolescência foi heavy metal, punk rock, música gótica, entrei de cabeça, e acho que a estética do rock and roll não foi uma fase. Eu acho que o disco inteiro remete muito a Tom Zé, em algumas partes. A faixa Samba do Amor é completamente feita pensando em Tom Zé.


LF: Esse é o seu primeiro álbum, e é autointitulado também. O que você acha que ele representa na concretização dessa trajetória? O que ele representa, nesse sentido?


MO: Eu vejo esse disco como… Eu vejo ele como uma experimentação fragmentária de possibilidades. “Olha o que eu consigo fazer”. A primeira canção já mostra outro lado meu, algo que não tinha performado desde o meu início na música. Os sambas que tem no disco também, eles já talvez denotem esse caráter de experimentação também minha. Talvez, ao menos para quem me conhece, o mais provável fosse fazer um disco com guitarra, distorção, bateria, declamando muito em todas as canções e fazendo mil e uma coisas. E muito pelo contrário, o disco parece que tem esse enxugamento de ideias. Ele não é um disco de estúdio pensado como disco. Ele é realmente um EP. Enquanto EP, vou muito por esse caráter de experimentação de possibilidades. E acho realmente que ele é apenas uma demonstração de possibilidades.


LF: É muito notável a forma como essa produção conta com participações a partir de diversos recortes, você colaborou com pessoas que estão na região do Agreste, mas também com pessoas que estavam do outro lado do mundo. Além disso, existem manifestações artísticas diferentes e plurais. De que forma ocorreu a união dessas potências para esse encontro?


MO: Eu tinha submetido um projeto para a Lei Aldir Blanc, mas não conseguimos o fomento. Depois de um tempo, o produtor, Guira, entrou em contato comigo e disse que iria para Bezerros, ficaria na casa de Matheus Lucena, e que mesmo sem a verba, a gente poderia gravar as vozes guias do EP. Nesse meio tempo, entrei em contato com Filipe Bolgovich, um amigo lá da Suécia, que conheci enquanto ele fazia um estágio aqui no GAMR. Há mais de dez anos que a gente não conversava. Mandei mensagem pra ele, e ele topou e falou de duas músicas que ele tinha engavetado. A primeira música que ele me deu foi “Vem”, como eu lhe disse, né? Ela só tinha aquela primeira estrofe, Eu completei com o Matheus no refrão. Em “Samba de Carmen”, a música já estava em completude. Eu compus Flamenco e a gente adicionou Cizou, que toca rabeca, e estava pronto. Tendo as seis músicas do disco, eu fui pra Cidade de Bezerros e gravei as vozes de guias. A maioria das pessoas que participaram do disco, salvo alguns, como Valdemar Neto e Matheus Ferraz, eu conheci justamente na época que fui morar em Caruaru, em 2016. À parte isso, o processo de formação foi muito livre, quem fez backing vocals, Isadora França, Rosberg Adonay, Ythalla Maraysa e Joyce Noelly, estavam livres. Então, tá todo mundo aqui, e, cada vez mais, eu sinto mais preguiça de ir pra Recife.


LF: Na esteira do que você falou sobre o álbum não ter conseguido apoio das leis de incentivo.

Eu gostaria de saber mais se você acha que existe mais esperança de fomento, se no atual momento se abre um novo horizonte, se há novas possibilidades nesse cenário.


MO: Obviamente, não é suficiente nada do que já é feito. A gente tem o mínimo, e mesmo que consiga realizar, não é ideal. O que tem de política pública no Brasil ainda não é o ideal.

Esse EP foi feito sem nenhuma lei de incentivo. Como é que ele foi feito? Com boa vontade.

Infelizmente, você não pode parar de produzir apenas porque você não conseguiu passar num edital. O seu sonho de ser artista não deve estar amarrado a conseguir uma aprovação de uma banca que faz parte do governo. Eu sei que parece papo de positivismo barato, de coisa quase de charlatão, mas não. Com cultura e arte você ganha abertura para um mundo de possibilidades e de noções, por exemplo, o respeito ao diferente. Eu acho que eu vejo esperança agora, porque você tinha perguntado sobre esperança. Eu vejo muita esperança.


LF: Eu também sinto nesse álbum um recorte bastante romântico. Isso se transpõe também para as condições sonoras de diversos sentidos, seja nos vocais, seja nos instrumentais.

Você se considera uma pessoa romântica? Como isso influencia suas obras?


MO: Se a gente pensar em Baudelaire, Álvaro de Azevedo, me considero romântico. São artistas de obras que muito me influenciaram, então, pegando o romantismo enquanto esse grande movimento de lá de antigamente, sim, me considero romântico. Ao mesmo tempo, também me coloco nesse romantismo da trilha sonora de uma novela, da Maria Bethânia cantando paixões inesperadas, de coração rasgado. Lá na música “Esquecimento”, fala sobre ter um jeito de amar antigo. Eu acho que vem disso, esse jeito de amar antigo, mofado, meio démodé

Nessa música tem uma inserção, eu não sei qual contexto em que aquela fala é produzida, mas eu sinto que esses ruídos sonoros se integram bastante à natureza do seu álbum.


LF: A inserção dessas partículas do cotidiano e do processo de gravação estão presentes no álbum, inserindo o ouvinte nos “extras” que compõem a construção de uma totalidade. Pra mim, esse artifício representa um movimento de acolhimento, aconchego. Quais são suas impressões sobre essas adições?


MO: Em “Vem”, tem um ruído de fundo, uma sonificação feita pela NASA de um conglomerado de galáxias chamado Perseu, na qual habita um buraco negro. Tinha tudo a ver com a narrativa. Em “Esquecimento” tem a minha avó, falando no final, meses antes daquela gravação, da voz dela, ela tinha sofrido um AVC. E aí eu perguntei para ela algo sobre isso.

Achei interessante como registro dela também e da importância da figura dela no meu olhar, ela tem muita influência no meu olhar quase místico sobre as coisas. Ela sempre me guiou muito, mesmo sem saber, ela me inferiu um olhar menos racional e quase dionísíaco. Em “Samba do Amor”, eu faço som de percussão com um isqueiro, acendendo e apagando.

Todas essas camadas, muito tem a ver com a liberdade que Guira proporcionou, enquanto produtor fonográfico do disco, ele ficou muito aberto. Todas as ideias que eu vinha trazendo, ele tentava realizar da maneira que eu estava pensando.


LF: É muito interessante notar essas interseções entre seu álbum e esse espaço do Agreste. De que maneira você acha que seria possível esses artistas e produtores se organizarem por aqui?


MO: Quando eu cheguei em Caruaru eu tive encantamento com tudo que acontecia, todas possibilidades do que as pessoas conseguiam com poucos recursos e com muita vontade.

A gente, enquanto artista, jovens, vivenciamos a história do Brasil e suas transformações, especialmente políticas. Não podemos esquecer disso. Foram passados fatos históricos.

Isso mexeu com a gente, com nossos sonhos, com a nossa realidade enquanto país.

Eu vejo que agora a gente está ganhando um novo fôlego. Eu fui embora de Caruaru muito frustrado porque eu achei que a Tríplice Mistério teria tudo. Agora eu fiz o lançamento do disco em Caruaru. Quando eu saio para cantar e cantam junto comigo e eu me emociono ao ver tanta gente querida que me ajudou a construir esse disco.

Eu vejo a movimentação da galera do TEA. Eu vejo coletivos, como tem as Madalenas, que é um coletivo de mulheres que está fazendo também intervenções de teatro. Eu vejo a movimentação do Sesc, das pessoas que não conseguem tocar no Sesc. Tudo isso eu fico vendo, mas realmente parece que perdeu-se mais a coisa urbana. E que cada um meio que foi para o seu nicho.


LF: Eu pensei em encerrar a nossa entrevista com uma pergunta bem ao estilo Provocações. Mas é uma pergunta super simples também: existe alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito, mas eu não fiz?


MO: Rapaz… essa é bem complicada, viu? Talvez…se eu já tenho ideia de algum outro disco.


LF: Você já tem alguma ideia, você já pensa em um outro projeto?


MO: Já! Eu ainda não sei quais os músicos que estarão comigo, quero fazer algo completamente diferente desse EP. E talvez seja algo completamente de fácil assimilação para quem já me conhece. Já existe toda uma temática poética para esse novo trabalho. Por isso mesmo eu preciso encontrar mais coisas, assim como músicos que dialoguem com essa poética. Eu gostaria muito de fazer algo tendo como uma grande referência a Angela Ro Ro, tendo como referência uma Maísa, uma seresta, uma coisa densa. Gostaria muito de explorar isso.

Mas daqui pra lá pode ser que eu mude completamente a ideia, pode ser que saia um livro, outro filme, sei lá.




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A SPIA é um portal colaborativo feito por alunos do curso de Comunicação Social e Design, da Universidade Federal de Pernambuco, campus Agreste. Todo o conteúdo produzido por nós é usado apenas para fins informativos e educacionais.

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