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Foto do escritorRevista Spia

Azulão: 80 anos depois, o dia 25 de Junho deveria ser dia de festa

Maria Clara Mendes e Joyce Noelly


No dia 23 de Junho de 1942 foi realizada a colheita do milho, pessoas se reuniram para celebrar a véspera da festa, a fogueira queimou até virar cinzas. Talvez balões tenham enfeitado o céu e a música esquentado o chão. Ao final do dia 24 de Junho, os vestígios da festa se guardaram para o dia de São Pedro. O que ninguém poderia imaginar é que no dia 25 de Junho de 1942 nascia um dos maiores artistas da história do forró e da cidade de Caruaru. 80 anos depois, o dia 25 de Junho deveria ser dia de festa.


Azulão - Foto: @azulao.oficial, autor desconhecido.

Um personagem ilustre, Francisco Bezerra de Lima, imortalizado Azulão, nasceu em Serra dos Cavalos e se criou em Brejo de Taquara. Só depois Azulão passou a morar na cidade de Caruaru, primeiro no Alto da Banana e posteriormente na gloriosa Rua Preta. O resto não só virou história, virou música e um pedaço do que conhecemos como a Capital do Forró. Reconhecido por uma voz inconfundível, uma presença arrebatadora e um repertório que se confunde com a história de multidões, abordar o legado de Azulão é um desafio imenso e necessário.


Quis o destino que a volta das festividades do São João em Caruaru, interrompidas pela pandemia da COVID-19, coincidisse com os 80 anos de Azulão e com a aposentadoria dele dos palcos. Até aqui foram 60 anos de carreira, um compacto duplo, LPs aclamados, participações em coletâneas, um CD e um DVD lançados. Uma arte pulsante de um artista inquieto, talentoso e pernambucano de tantos espaços que formam uma só presença: Caruaru, Rua Preta, Brejo de Taquara e Serra dos Cavalos. Impossível separar o artista Azulão das suas origens, é isso que o alimenta e nos inspira a ouvi-lo.


A história de Azulão se confunde com Caruaru e com a história de personagens importantes da cidade e do forró. Azulão participou das caravanas de Ivan Bulhões e Lídio Cavalcante. Compôs a música ‘Pé de Jatobá’ (1969) com Jacinto Silva, sucesso na voz de Marinês. Integrou a primeira banda de forró do Brasil, a Bandinha do Camarão. Em parceria com Mestre Camarão, lançou a sua primeira música ‘Olhei o meu amor’ (Azulão e Camarão), na coletânea Forró do Zé do Gato (1964). Gravou três músicas no LP Retrato de um Forró (1974), gravado também por Camarão e Sandro Rogério. Conviveu com Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Jacinto Silva, Messias Holanda, entre outros mestres. Lançou álbuns inesquecíveis que marcaram época e influenciaram gerações de brasileiros.


Não há testemunha melhor do legado de Azulão do que a sua própria obra. Nela está impressa a originalidade de um artista que sempre soube dialogar com o novo e com as suas vontades e crenças. Esta originalidade aparece nas capas que trazem fotografias de um jovem e vaidoso Azulão, vestindo roupas estampadas, de cores vibrantes, calça boca de sino e black power. A singularidade de Azulão fica evidente em sua aparência e nas músicas que fazem referência a religiosidade dele.


O vínculo de Azulão com as religiões de matriz afroindígena é um aspecto que só o próprio artista para elucidar, mas encontramos indícios de sua fé em canções como a belíssima ‘Cabecilé’ (Francisco Azulão), na qual Azulão faz honrarias à sua cabeça (ou Ori), menciona a orixá Iansã e logo em seguida brada a saudação ao orixá Xangô, que dá nome à canção. No catolicismo, Xangô é sincretizado como São João. Azulão nasceu um dia depois do dia de Xangô.


Algumas capas dos LPs de Azulão nos anos 70.

Na década de 1970, em meio a uma natural concorrência entre os próprios cantores, Azulão se destacou pela sua maneira única de cantar e interpretar o que cantava. Em ‘Dona Tereza’ (Elias Soares), presente na obra-prima de 1976, Azulão muda a voz nos trechos que representam a personagem Dona Tereza. Ele não só intercala os falsetes, como traz consigo uma performance com movimentos corporais para representar a personagem. Estes movimentos corporais são assinaturas do artista Azulão, a sua voz e interpretação são inconfundíveis. Estas características tão próprias do Pequeno Grande influenciaram toda uma geração de artistas que vieram depois, sendo ele considerado a maior voz de Caruaru.


A cidade de Caruaru tem um espaço imenso na vida e na obra de Azulão com várias canções exaltando as histórias e personagens da Princesinha do Agreste. Estas histórias estão eternizadas em ‘Caruaru do Passado’ (José Pereira), ‘Capital do Forró’ (Walmir Silva e F. Azulão), ‘Caruaru do meu tempo’ (Juarez Santiago e Lula Torres), entre outras. Só vivendo e conhecendo Caruaru com propriedade para dar voz a tantas memórias de forma tão autêntica. É sempre importante destacar que ao longo de sua carreira, Azulão tratou de gravar músicas de compositores de Caruaru e região. Segundo Natan Lima, músico e conhecedor do forró, Azulão foi o primeiro artista a gravar uma música de Petrúcio Amorim, a canção ‘Confissão de um Nordestino’ dá nome ao LP lançado em 1980.


Em sua apresentação de despedida, realizada no Pátio do Forró, no dia 17 de Junho, o Mestre Azulão, já bastante fragilizado pelos sinais do tempo, cantou algumas poucas canções. Mais do seu imenso repertório foi apresentado por artistas locais em participações especiais, como o jovem sanfoneiro Luan Nascimento, porém quem realmente conduziu o show foi seu filho Azulinho, que há anos divide o palco com o pai, inicialmente como backing vocal. Azulinho aproveitou a oportunidade para mostrar seu trabalho solo, cantando alguns piseiros que gravou recentemente. Algo muito oportuno numa noite em que o Pátio do Forró estava lotado de pessoas para ver o show do artista seguinte, João Gomes, o maior nome do gênero na atualidade. Tão lotado que desencorajou parte do público de Azulão a ver seu show pessoalmente.


Atualmente Azulão tem o seu nome em um dos principais palcos do São João de Caruaru. O Polo Azulão representa um espaço alternativo dentro da programação do São João da Capital do Agreste. Curiosamente este palco tão importante pouco se aproxima do legado de Azulão, ficando a homenagem restrita ao nome do mestre. Por mais que a homenagem seja válida, seria interessante discutir de que forma Azulão poderia estar mais presente neste palco. Neste ano, o Polo Azulão apresentará um tributo à obra de Azulão, onde, no dia 26 de Junho, artistas convidados terão a missão de interpretar os clássicos do Mestre. Um bom sinal, mas que a iniciativa não se limite a uma homenagem protocolar pela despedida de Azulão dos palcos.


Afinal, um artista que soube falar de si mesmo, do seu povo e das suas origens, merece ser enaltecido em vida por tudo que nos deu. O forró, a cidade de Caruaru e a música brasileira não seriam os mesmos sem Francisco Bezerra de Lima, nosso Mestre Azulão. As músicas de Azulão despertam memórias e saudades de pessoas e de lugares, nos trazem conforto e divertimento. Falar de Azulão compreende uma parte considerável da história do Brasil e do que este país é feito: festa, música e coragem. Ele se retira dos palcos e continuará vivo em nossas vitrolas, rádios, playlists e por cada pedaço dos lugares que encantou. Muito obrigada, Mestre.


Um agradecimento especial a Natan Lima, a Luiz Ribeiro e a Azulinho.


Referências:

MACEDO, Eliane; PAIVA, Henrique. Azulão, o Pequeno Grande. 5 de Março de 2017. Disponível em: <https://youtu.be/NfssT9WCPdY>. Acesso em 21 de Maio de 2022.


LIMA, Natan. Entrevista concedida a Maria Clara Mendes. Revista Spia, Pernambuco, 2 de Junho de 2022. [A entrevista foi realizada pelo WhatsApp]


TV Asa Branca. Filhos da Terra – Azulão O Pequeno Grande. YouTube, 05 de Maio de 2019. Disponível em: <https://youtu.be/IizuXqT-5xY>. Acesso em 01 de Junho de 2022.


TVPE. Azulão - São João da TVPE. YouTube, 13 de Julho de 2010. Disponível em: <https://youtu.be/DSGMemcBQ8Y>. Acesso em 22 de Junho de 2022.


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