Crítica musical por Mariana Gonçalves
Da rua grande, centro de Santa Cruz do Capibaribe, Agda Bezerra Nunes Moura, bisneta, neta, filha, irmã (d)e poetas. Não tinha como escapar. Cantora e rimadora como o avô; o homem gravador do prata, sertão do Pajeú, ela pertence geracionalmente às tradições do repente e memorialismo da poética sertaneja.
Agda é movedora artística: ativa na poesia, música, teatro. Desde criança. Cantora, compositora, atriz, desenhista, multi-instrumentista, autodidata, Agda assina todas as canções do autointitulado álbum de estreia. Potente e difusa, a rima de Agda dá o tom das 17 faixas. Em seus 51 minutos de duração, as odes contam a jornada sensorial e imagética da artista pelo território do palpável e do sonhado, visto ou contado, sentido, sofrido e marcado numa narrativa fantástica do agreste que lhe criou.
Unindo territórios e aportando a forma das atmosferas poéticas todas as melodias são preciosamente produzidas por Juliano Holanda; mago das cordas, o violonista de Goiana, mata norte pernambucana, é também cantor, compositor, diretor musical do disco e do show Reverbo: movimentação pernambucanamente diversa que abrange uma crescente e cambiante ruma de cantores, compositores, escritores, mestres da lírica vindos de todo o estado e da qual Agda participa e por qual já interpretou composições contidas no álbum.
As narrativas são construídas de várias vozes, misturando os tempos e percorrendo cidades, sons, sotaques, silêncios, cacofonia, agonia; calma; divididas em quatro temas, quatro canções cada. Dos parceiros de Reverbo o duo pinça Flaira Ferro (Nem lá Nem Cá), Isabela Moraes (ter sidos) Martins, Almério, Mery Lemos (produtora executiva da Reverbo, assume percussão e empresta voz e riso ao coro feminino de o cigano com Ezter Liu, Joana Terra, Miriam Juvino, Numa Ciro, Paula Tesser e Virgínia Guimarães, esta última, multiartista, cineasta e designer responsável pela identidade visual do projeto). Figuram ainda Lirinha, ator, compositor e cantador de Arcoverde, práxis e palavra potente empresta a voz a bilhete 2. Entre os santacruzenses tarimbados Lara Moura, Olegario Lucena e Fábio Xavier que engrossam o sumo sonoro junto com Isaar, o saudoso Jr. Black, Johann Brehmer e Moringa.
Tempo 1 - Apontar 01 - Transversal
Envolto em cordas, o vocal cortante é a tônica da faixa que abre o disco. Evocando a beleza misteriosa dos grotões do capibaribe, dos sítios de pomares frondosos, o patrimônio arqueológico e reserva ambiental de onde podem ser vistos ao pé da serra a vila do Pará e o desenho rural numa região onde predominam planícies e as pequenas propriedades. O poço fundo distrito fronteiriço que abriga a barragem do rio que batiza a cidade. A fera solta na feira da rua principal, o centro seco no ‘sol costurando’ uma origem dos áridos motivos do raconto de ser de onde está.
04 - Partida
Os violões de agda e Juliano confabulam progressões circulares pra Lara e a passagem entrecortada da terra que leva a arcoverde, sertão e do corte colorido que uma mulher um fruto e um menino pintam no caminho.
05 - Nem lá, Nem cá
Mery Lemos dá o nome na percussão energética, ligeira e quente da sinergia Flaira e Agda em verso eufônico num rimado alto astral acerca de ir e saber quando chegar só. Dois reais no bolso e um sonho.
07 - Bilhete a José Declamação de amor no corpo do silêncio, nó fraterno da pura voz de Agda. Resistência do tempo na calma. Na calma da dor: amor, como certeza.
Tempo 2 - Dus Doidos
“Sinto no corpo do silêncio algo. Uma coisa que queira nos salvar. Eu nem sei nem do quê, nem para quê; mas um dia você me disse que a calma é a maior resistência do tempo. Eu te amo por isso também Nos guardemos na calma da dor. Tenha meu amor como parte da força de ser com a dor escrevendo, com aquele jeito de misturar as coisas e parecer doida misturando tudo o que é bom. poder ser assim com você”
09 - As Lavadeiras
Destacando o feminino na confluência de memórias do Capibaribe as sereias-lavadeiras são embaladas nas cordas de Holanda, Olegário, Xavier e na percussão de Johann e Mery. Maria, Tereza, Helena, Inacia; sobrepostas nas vozes de Agda, Jr. Black e Marcello Rangel e no mover do rio à contenda da lida das mulheres dentro do fluxo do mundo.
Tempo 3 - Ter Sidos.
11 - O Cigano
Camaleão do invisível e artista de estrada a quem nada satisfaz; veste carapuça de 'sonhador cativo da fantasia', impregnado de vicio sorvendo do mundo cada gota de vida. torpe, o vadio se equilibra no ar 'indo e voltando, diluindo e reintegrando', queimando no ultimo suspiro do figurado cambiante cigano o tudo e o nada. Mery Lemos (da Reverbo, assume percussão e empresta voz e riso ao coro feminino de o cigano com Ezter Liu, Joana Terra, Miriam Juvino, Numa Ciro, Paula Tesser e Virgínia Guimarães, esta última, multiartista, cineasta e designer responsável pela identidade visual do projeto).
13 - Bilhete 2 Lirinha e Agda e a poesia onírica e nebulosa do saber que tudo se cabe em si, sem corpo, onde quiser. refazendo o mundo por dentro.
Tempo 4 - Poeira
16 - Fora do Eixo Na única composição de Juliano com Agda no álbum a linguagem universal do desamor tem uma intérprete ímpar. À flor da palavra, sentimentos triturados, corpos separados em versos de promessa mantidos na fé e na vontade: esperança em semente viçosa. junto d'o cigano e nem lá nem cá é ponto altíssimo do álbum pela riqueza de imagens e prosa de fino esmero. 17 - A curva da Miroucha De volta ao canto de sombra frondosa com aroma de passado, Agda toma de volta o fio com que costura no bojo da memória retalhos de ser.
Realizado com apoio do Funcultura agda é bem resolvido como registro fonográfico e de linguagem, própria e fértil, que não se encerra em si; celebra dinâmicas azeitadas e não deixa arestas a aparar. Mostra razão de ser, maturidade e inventividade de uma artista plena. O show do disco está em circulação e pode ser visto dia 4 de fevereiro em Triunfo dentro do festival donas Marias às 19h na Praça Josias Albuquerque; entrada franca.
Cópias físicas de agda estão disponíveis em Recife na Passa Disco: Rua da Hora, 345 Espinheiro e em Santa Cruz do Capibaribe na Farmácia do Trabalhador: Avenida Prefeito Ferraz Filho, 290, Palestina.
na DM pro mundo em @agda___
Preço sob consulta
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